Uma crônica hilária e reflexiva sobre o desprezo e o desrespeito à Língua Portuguesa, com doses generosas de riso e crítica.
Por Claudio Cesário -
Era um dia
ensolarado em Pasárgada, uma pequena cidade imaginária onde as coisas mais
insólitas aconteciam. No centro da praça, o Senhor Filólogo, um professor
aposentado de Português que dizia ter nascido "entre uma crase bem
aplicada e um ponto e vírgula perdido", se preparava para mais uma de suas
palestras públicas.
— Querem
transformar a Língua Portuguesa em dialeto tribal socialista! — bradou, subindo
no coreto da praça com um dicionário na mão e um livro de gramática debaixo do
braço.
A plateia era
composta por figuras inusitadas: Dona Gertrudes, que jurava que "abestado"
era pronome possessivo; Seu Juca, o padeiro que usava apóstrofos em toda frase;
e Clarinha, a adolescente que achava que “KKK” e “OMG” eram perfeitamente
aceitáveis no vestibular.
— O que
significa isso, professor? — perguntou um jovem curioso.
— Significa que
estamos afundando! Afundando! Cada "parada maneira" que você diz é um
prego no caixão da nossa identidade cultural! Cada "tipo assim" é um
golpe fatal na lógica gramatical!
Dona Gertrudes
suspirou fundo:
— Ah, professor,
a gente só tá adaptando, modernizando... É evolução, não revolução.
Filólogo ergueu
o dicionário como um pregador seguraria a Bíblia:
— Modernizar?
Chamar um “pretérito mais-que-perfeito composto” de "coisa do
passado"? Isso é traição linguística!
De repente, um
jovem hipster levantou-se. Vestia uma camiseta com a inscrição “Paz &
Pós-verdade”.
— Professor, com
todo respeito, mas a língua é viva. Ela se adapta às necessidades sociais e
culturais. A gramática normativa é uma opressão elitista!
O coreto quase
tremeu com o grito de indignação do professor:
— Elitista?
Opressão? Vocês dizem isso, mas são os primeiros a gaguejar numa entrevista de
emprego porque não sabem a diferença entre “a gente” e “agente”!
A praça caiu
numa gargalhada generalizada. Até Clarinha, a rainha das gírias, riu. Mas
Filólogo não perdeu o fio da meada:
— Vocês não
percebem que, ao diluir a nossa língua, estão diluindo a nossa capacidade de
pensar criticamente? De argumentar com clareza? Se mal sabemos conjugar um
verbo, como queremos construir uma sociedade justa?
O silêncio tomou
conta do lugar. Até Dona Gertrudes pareceu refletir. Seu Juca sussurrou:
— Acho que ele
tem um ponto...
Clarinha
levantou a mão.
— Tá bom,
professor. Mas o que a gente faz?
O Filólogo
desceu do coreto e, com uma voz mais serena, respondeu:
— Comecem lendo.
Não precisam decorar tudo, mas saibam o mínimo. Entendam que cada vírgula é
como um farol no meio da neblina. E, pelo amor à Pátria, não usem “nós vai”!
A praça explodiu
em aplausos. Mesmo quem discordava percebeu que havia ali uma verdade incômoda,
dita com um toque de comédia. Afinal, por mais que a língua evolua, ninguém
quer trocar o "be-a-bá" por um "bla-bla-bla" sem sentido.
E assim, em
Pasárgada, o debate sobre a desvalorização e o insulto à Língua Portuguesa
continuou, mas sempre com boas doses de risadas e reflexões. Porque, como dizia
o velho Filólogo, “rir também é um verbo transitivo direto — e salva o sujeito
da ignorância.”
0 Comentários