Clicando no Google a palavra “Educação”
seguida da expressão “direito de todos”, encontrei 671 mil referências. Só de
artigos acadêmicos a respeito, 5.120. “Educação inclusiva” dá 262 mil
respostas. Experimente clicar agora “Educar-se é dever de cada um”: nenhum
resultado. “Educar-se é dever de todos”: nenhum resultado. “Educar-se é dever
do cidadão”: nenhum resultado.
Isso basta para explicar por que os
estudantes brasileiros tiram sempre os últimos lugares nos testes
internacionais. A ideia de que educar-se seja um dever jamais parece ter ocorrido
às mentes iluminadas que orientam (ou desorientam) a formação (ou deformação)
das mentes das nossas crianças.
Eis também a razão pela qual, quando
meus filhos me perguntavam por que tinham de ir para a escola, eu só conseguia lhes
responder que se não fizessem isso eu iria para a cadeia; que, portanto,
deveriam submeter-se àquele ritual absurdo por amor ao seu velho pai. Jamais
consegui encontrar outra justificativa. Também lhes recomendei que só se
esforçassem o bastante para tirar as notas mínimas, sem perder mais tempo com
aquela bobagem. Se quisessem adquirir cultura, que estudassem em casa, sob a
minha orientação. Tenho oito filhos. Nenhum deles é inculto. Mas o mais erudito
de todos, não por coincidência, é aquele que frequentou escola por menos tempo.
A ideia de que a educação é um direito
é uma das mais esquisitas que já passaram pela mente humana. É só a repetição
obsessiva que lhe dá alguma credibilidade. Que é um direito, afinal? É uma
obrigação que alguém tem para com você. Amputado da obrigação que impõe a um
terceiro, o direito não tem substância nenhuma. É como dizer que as crianças
têm direito à alimentação sem que ninguém tenha a obrigação de alimentá-las. A
palavra “direito” é apenas um modo eufemístico de designar a obrigação dos outros.
Os outros, no caso, são as pessoas e
instituições nominalmente incumbidas de “dar” educação aos brasileiros:
professores, pedagogos, ministros, intelectuais e uma multidão de burocratas.
Quando essas criaturas dizem que você tem direito à educação, estão apenas
enunciando uma obrigação que incumbe a elas próprias. Por que, então, fazem
disso uma campanha publicitária? Por que publicam anúncios que logicamente só
devem ser lidos por elas mesmas? Será que até para se convencer das suas
próprias obrigações elas têm de gastar dinheiro do governo? Ou são tão
preguiçosas que precisam incitar a população para que as pressione a cumprir
seu dever? Cada tostão gasto em campanhas desse tipo é um absurdo e um crime.
Mais ainda, a experiência universal dos
educadores genuínos prova que o sujeito ativo do processo educacional é o
estudante, não o professor, o diretor da escola ou toda a burocracia estatal
reunida. Ninguém pode “dar” educação a ninguém. Educação é uma conquista
pessoal, e só se obtém quando o impulso para ela é sincero, vem do fundo da
alma e não de uma obrigação imposta de fora. Ninguém se educa contra a sua
própria vontade, no mínimo porque estudar requer concentração, e pressão de
fora é o contrário da concentração. O máximo que um estudante pode receber de
fora são os meios e a oportunidade de educar-se. Mas isso não servirá para nada
se ele não estiver motivado a buscar conhecimento. Gritar no ouvido dele que a
educação é um direito seu só o impele a cobrar tudo dos outros – do Estado, da
sociedade – e nada de si mesmo.
Se há uma coisa óbvia na cultura brasileira, é o desprezo pelo conhecimento e a concomitante veneração pelos títulos e diplomas que dão acesso aos bons empregos. Isso é uma constante que vem do tempo do Império e já foi abundantemente documentada na nossa literatura. Nessas condições, campanhas publicitárias que enfatizem a educação como um direito a ser cobrado e não como uma obrigação a ser cumprida pelo próprio destinatário da campanha têm um efeito corruptor quase tão grave quanto o do tráfico de drogas. Elas incitam as pessoas a esperar que o governo lhes dê a ferramenta mágica para subir na vida sem que isto implique, da parte delas, nenhum amor aos estudos, e sim apenas o desejo do diploma.
Olavo de Carvalho — Diário do Comércio, 27 de janeiro de 2009
0 Comentários